Muito provavelmente você já consultou um paciente com uma receita ou orientação de profissional da saúde com letra ilegível. Estou certo?
Por ser um problema tão evidente e marcante, focamos o problema na caligrafia. Mas quando tiramos esta primeira camada e olhamos a fundo, vemos que o problema é bem mais complexo.
Para entender precisamos ter em mente que:
- O Brasil tem 54 milhões de analfabetos funcionais.
- Além desses, muitos sabem ler mas tem dificuldade de entender saúde, habilidade denominada de health literacy.
- Só nos EUA, essa parcela corresponde a 36%. Na Europa, 47%.
- Os idosos são um grupo de risco para ter essa dificuldade de entender saúde.
- E o número de idosos com múltiplas doenças crônicas e em polifarmácia é crescente.
Já deu pra perceber que o prognóstico não é bom.
Tendo consciência desses fatos, podemos falar dos 2 problemas de materiais em saúde, focando na receita.
A receita é organizada e dividida por vias de uso, ou seja, como o paciente utilizará o medicamento. Mas quando o paciente vai tomar os remédios, ele os organiza por ordem de tomada, ou seja, quando ele irá tomar.
Receber uma receita com um medicamento para tomar de 12/12h, outro depois do almoço, um de 8/8h, outro quando acorda… não é fácil de organizar.
Num estudo americano, uma receita com 7 medicamentos foi entregue a pacientes entre 55 e 74 anos (incluindo pacientes com ensino superior completo) para que organizassem os remédios. Os resultados:
Só 15% dos pacientes conseguiram organizar da maneira correta
80% separaram dois medicamentos em que um tinha “tome 2 vezes ao dia” e outro com “tome de 12/12 horas”
Isso sem contar que é fácil achar pacientes que pensem que “tomar de 8/8h ou de 8 em 8 horas” seja 8 da manhã e 8 da noite, o que é até lógico. Mesmo no caso de pacientes crônicos, a expressão “uso contínuo” vem ao lado de todos os medicamentos e essa repetição só torna a receita mais “poluída” de informação.
Certa vez uma paciente relatou o caso de uma vizinha que estava muito confusa pois não sabia como ia tomar tanto remédio já que teria que tomar de hora em hora, pois veio “uso oral” em cima da receita.
Esse caso pode ser um extremo, mas é comum pacientes que não entendam “uso contínuo”, “uso tópico”, “uso externo” e por aí vai. Indo além dos termos técnicos, muitas vezes os pacientes recebem orientações como “faça exercício” e “diminua o sal”, por exemplo. Mas, o quanto de sal é considerado bom? O que é fazer exercício, quanto tempo? São orientações que ficam vagas e acabam por não ajudar tanto. Agora pense:
Acaba que não entendem, fica difícil aderir, complicam, se internam, fazem procedimentos no hospital, morrem, perdem dias de trabalho… Só nos EUA isso custa 60 bilhões de dólares por ano.
Fazer o paciente aderir e entender é um desafio que deve ser resolvido por médicos e farmacêuticos em conjunto. Médicos precisam mudar a forma de elaboração da receita e farmacêuticos devem procurar passar orientações claras e objetivas ao paciente, além de elaborar uma lista de medicamentos que seja fácil de seguir e compreender.
Precisamos juntos adequar a linguagem da saúde para a população. E já passou da hora disso acontecer.
E para provar que não é placebo, seguem as referências:
1. http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2015/07/brasil-tem-13-milhoes-de-analfabetos.html. Acessado em 02/08/16.
2. Weiss et al, Health Literacy and patient safety: Help Patients Understand. Manual for clinicians. 2nd edition. 2012.
3. WHO Regional Office for Europe. Health Literacy: The Solid Facts. 1st 2013.
4. Silva et al. Polifarmácia em geriatria. Revista da AMIRIGS, Porto Alegre, 56 (2): 164-174, abr-jun, 2012.
5. http://www.nytimes.com/2015/12/22/health/a-prescription-for-confusion-when-to-take-all-those-pills.html?_r=1. Acessado em 02/08/16.
*Texto feito pela ADVMED, empresa que facilita a compreensão do paciente sobre tratamento e doenças e otimiza o trabalho de profissionais da saúde. Para ver mais textos acesse: http://www.advmed.com.br/blog/
“As ideias e opiniões aqui expressas, não refletem necessariamente aquelas da Abrafarma. A eventual menção a qualquer produto ou terapia não deve ser interpretada como endosso aos produtos mencionados. Recomendamos a cada profissional que determine, com base em sua experiência e conhecimento, as melhores condutas e cuidados para seus pacientes “.