O aumento da prevalência das condições crônicas é o principal fator que atualmente pressiona os sistemas de saúde em todo mundo. Se 100 anos atrás as causas de morte eram principalmente as doenças infecciosas e parasitárias, hoje a maior carga de morbidade e mortalidade pertence às doenças crônicas não transmissíveis 1.
As mais importantes são as doenças cardiocirculatórias, o câncer, o diabetes, as doenças crônicas pulmonares e neuropsiquiátricas. Os fatores de risco mais relevantes para essas doenças são: tabagismo, consumo abusivo de álcool, excesso de peso, níveis elevados de colesterol, baixo consumo de frutas e verduras e sedentarismo. No Brasil, 31% dos brasileiros adultos afirma ter pelo menos uma doença crônica. Essa proporção aumenta conforme a faixa etária, chegando a 79% dos idosos com mais de 65 anos 2.
A partir dos 50 anos de idade, a prevalência das doenças crônicas aumenta consideravelmente, e acaba levando à polimedicação, que é o uso simultâneo de vários medicamentos. Nos idosos, por exemplo, 1 em cada 3 utiliza mais de 5 medicamentos contínuos, e isso representa custos crescentes nos gastos em saúde, além de um grande desafio para a adesão ao tratamento3.
O primeiro desafio é a detecção para o diagnóstico precoce. Esse continua sendo um problema no Brasil. Em média, uma pessoa pode levar 12 meses ou mais para conseguir percorrer a jornada entre uma primeira consulta médica, fazer os exames, retornar ao médico para fechamento do diagnóstico e receber uma prescrição do tratamento. Essa dificuldade é maior principalmente para a parcela da população com mais baixa renda ou na dependência de especialistas e exames mais caros.
Por isso, é importante que existam ações que possibilitem a detecção de risco nos pacientes, especialmente nas doenças crônicas mais assintomáticas. Essas ações são chamadas de rastreamento em saúde. Um teste positivo no rastreamento é o primeiro passo para a obtenção de um diagnóstico, que deverá ser confirmado pelo médico. Um exemplo bem conhecido é o teste de glicemia, capaz de detectar pacientes com risco de diabetes de uma forma rápida, acessível e bastante confiável. Quer outros exemplos? A medida da pressão arterial, o teste de colesterol total, o PHQ-2 para depressão, entre outros.
E uma vez que o paciente recebe o diagnóstico e consegue iniciar o tratamento, daí começa uma outra jornada. O acompanhamento, as consultas periódicas, os exames, os ajustes necessários na medicação, a aceitação da doença e a força de vontade para mudar hábitos de vida.
Mesmo em países desenvolvidos, como a Inglaterra, um doente crônico passa, em média, apenas 3 horas por ano com o médico. Isso representa 0,03% das 8.760 horas de um ano. Fica fácil perceber que para as doenças crônicas o autocuidado é tão ou mais importante do que o cuidado profissional, e esse, de fato, é um dos pilares do modelo de cuidados crônicos 1,4. O treinamento e a educação do paciente para o autocuidado são fundamentais.
A Organização Mundial da Saúde estima que 50% dos pacientes tem baixa adesão ao tratamento5. Um estudo com mais de 150.000 pessoas, feito nos Estados Unidos, mostrou que a adesão a medicamentos para glaucoma, dislipidemia, osteoporose, diabetes e hipertensão varia de 37% a 72% nos primeiros 12 meses de tratamento. Nos hipertensos tratados por 10 anos, 22% interrompem e reiniciam o tratamento durante o período e 39% abandonam o tratamento definitivamente 6. Em pessoas com mais de 40 anos, usando medicamentos contínuos, a taxa de não adesão completa aos medicamentos é de 63%. As principais causas são descontinuidade de acesso, falta de acompanhamento profissional e ter que usar medicamentos muitas vezes ao dia 7.
No Brasil, dados do Ministério da Saúde de um estudo com mais de 500 pacientes polimedicados mostra que mais de 80% deles apresentam alguma dificuldade na utilização de seus medicamentos. Um em cada três abandonaram algum tratamento, 54% omitem doses, 14% fazem automedicação inadequada, 33% usam medicamentos em horários errados, 21% adicionam doses não prescritas, 13% não iniciaram algum tratamento prescrito, e 8% cometem erros na técnica de administração da forma farmacêutica, entre outros problemas diversos 8.
As farmácias e os farmacêuticos estão em uma posição estratégica no sistema de saúde. Possuem alta capilaridade e são, sem dúvida, os estabelecimentos mais próximos da população. Levar para o espaço das farmácias novos serviços farmacêuticos, em estreita parceria com médicos e demais prestadores de saúde, pode ampliar o acesso da população às ações preventivas, de acompanhamento e promoção da adesão ao tratamento. As redes de atenção à saúde e, principalmente, a população agradecem.
Referências