Pesquisa sugere que uma mutação genética rara em alguns indivíduos com colesterol HDL elevado – o chamado “colesterol bom” porque é pensado para ser cardioprotetor – pode realmente aumentar o risco de desenvolvimento de doença arterial coronariana. Ao avaliar mais de 300 participantes com níveis muito elevados de HDL-C (média de 106,8 mg/dl), os pesquisadores descobriram que apenas uma pessoa apresentava duas cópias do gene variante conhecido como P376L, o que prejudica a função do receptor de limpeza BI (SR-BI) – o principal receptor de HDL. Quatro outros tinham cópias simples da variante.
Em uma análise mais aprofundada de 1282 pessoas adicionais, a mutação P376L foi novamente rara e significativamente associada com resultados altos de HDL-C (P = 0,005), que foram repetidos quando os pesquisadores examinaram registros genéticos de mais de 300.000 pessoas e conduziram uma meta-análise de 16 estudos de genotipagem de base populacional. A meta-análise também mostrou que os portadores de P376L apresentavam um risco 79% maior de doenças cardiovasculares vs não portadores.
Na prática, isso significa que, em termos de tomada de decisões sobre os pacientes, um HDL alto nunca deve servir como razão para, por exemplo, não dar a alguém uma estatina se ela apresenta LDL alto. A pesquisa foi publicada no dia 11 de março de 2016 no portal da revista Science, por autoria do Dr. Paolo Zanoni (University of Pennsylvania).
Embora o HDL-C seja muitas vezes referido como o colesterol bom, assim como o colesterol LDL considerado como “mau”, a investigação recente demonstrou que níveis elevados de HDL-C nem sempre são benéficos. Na primeira parte do estudo, as amostras de plasma foram retiradas de 328 indivíduos com níveis elevados de HDL-C e a partir de 398 com HDL-C baixo (média de 30,4 mg/dl) para atuar como grupo controle. Estas amostras passaram por sequenciamento do gene alvo.
O gene codifica o SCARB1 SR-BI (também conhecido como SR-B1). No grupo com HDL-C alto, os investigadores descobriram um homozigoto para uma variante de perda de função no SCARB1. Esta variante particular foi reconhecida como P376L porque substitui a prolina 376 (P376) por leucina. Essa variação não havia sido descrita anteriormente na literatura. Uma análise mais aprofundada das células deste indivíduo do sexo feminino, que tinha um nível de HDL-C de 152 mg/dL, mostrou que a mutação rara impedia o receptor HDL de atuar corretamente. A mulher também tinha mutações em outros genes para HDL-C, tais como CETP e LIPG, relatam os pesquisadores. Quatro heterozigotos P376L (com cópias únicas da mutação) também foram encontrados no grupo com HDL alto, ao passo que nenhum foi encontrado no grupo de baixo nível (P = 0,008).
Associação com doenças cardiovasculares
Na segunda fase, a partir de “matriz de genotipagem” para dois grupos – um de 524 indivíduos adicionais com HDL-C alto (média de 95 mg / dL) e outro de 758 com HDL-C baixo (média de 33,5 mg/dL), os investigadores encontraram 11 e três heterozigotos P376L em cada grupo, respectivamente. Combinado com o grupo anterior, aqueles com níveis mais altos de colesterol HDL eram significativamente mais propensos a ter a mutação (P = 0,0001).
Curiosamente, em profunda fenotipagem do homozigoto P376L, oito dos portadores heterozigotos e 22 não portadores mostraram que todos os indivíduos com uma mutação P376L eram de ascendência europeia, quase exclusivamente de Ashkenazi ascendência judaica, relatam os pesquisadores.
Eles, então, avaliaram dados do Lipid Genetics Consortium Global para mais de 300 mil pessoas e novamente descobriram que a variante era muito rara (menor frequência do alelo [MFA] 0,0003). A variante também foi significativamente associada com HDL-C alto, mas não com LDL-C ou triglicerídeos.
Finalmente, os pesquisadores conduziram uma meta-análise de 16 estudos, que examinaram pacientes com DAC (total de casos 49.846) e seus pares saudáveis (total de 88.149). O odds ratio para DAC foi de 1,79 para aqueles que carregavam a variante P376L em comparação com não portadores (p = 0,02).
Resultados surpreendentes
Segundo os autores, a descoberta mais importante do estudo é que, apesar da elevação do HDL-C, portadores P376L apresentam maior risco de DAC, notando que isso também foi encontrado em estudos anteriores em ratos.
Esses resultados revelam que as concentrações de estado estacionário de HDL-C não são causalmente protetoras e que a função de HDL e fluxo de colesterol podem ser mais importante do que os níveis absolutos.
Os resultados também são consistentes com base no conceito sugerido anteriormente, de que a regulação positiva ou a valorização do SR-BI poderia ser uma nova abordagem terapêutica para a redução do risco de doença coronariana na população em geral.
Texto reproduzido de farmaceuticoclinico.com.br
*Wálleri Reis é farmacêutica, mestre em ciências farmacêuticas pela Universidade Federal do Paraná e especialista pela Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar (HC-UFPR). É coautora dos manuais de serviços farmacêuticos da Abrafarma