Uma nova perspectiva para o tratamento de pacientes vem sendo projetada pelos farmacêuticos. Isso significa que o atendimento nas farmácias não se limitará apenas ao balcão, na oferta de medicamentos, mas podendo se estender ao acompanhamento clínico.
Essa é a proposta dos “consultórios farmacêuticos” que estão surgindo tanto nas unidades comerciais quanto no sistema público. O presidente do Conselho Regional de Farmácia do estado do Paraná (CRF-PR), Arnaldo Zubioli explica que a atuação do profissional é estabelecer quais são os problemas relacionados aos medicamentos.
“É o papel de um especialista. Hoje, um idoso chega a tomar muitos medicamentos e a Organização Mundial de Saúde (OMS) já afirmou que o indivíduo que toma mais de três remédios, provavelmente irá estabelecer interações farmacológicas. E aí, ao invés de ter um benefício, terá um malefício no tratamento”, comenta.
O exercício e as atividades farmacêuticas dentro das farmácias de qualquer natureza são fundamentados pela lei 13.021/14 e atinge aproximadamente 180 mil farmacêuticos registrados no País. No entanto, a estimativa é de que 30% desses profissionais não atuem em farmácias.
“É a primeira vez dentro da regulação do exercício da atividade do farmacêutico que uma lei trata especificamente sobre a atuação dentro de uma farmácia, seja ela de qualquer natureza, e não abordando apenas aspectos sanitários”, completa.
A lei define as farmácias como estabelecimentos prestadores de serviços, destinados a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação em saúde.
O farmacêutico Felipe Remondi, chefe da seção de Insumos Estratégicos da 17ª Regional de Saúde (RS), re-força que o cuidado farmacêutico visa propiciar, com o uso de vários medicamentos, o melhor resultado terapêutico possível ao paciente.
Segundo a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), uma pesquisa realizada pelo Ibope com 2.002 pessoas, em 143 municípios, apontou que 20% dos entrevistados possuem doenças crônicas como hipertensão e diabetes, porém, mais da metade (53%) não segue à risca as recomendações clínicas ou não costuma concluir os tratamentos.
Remondi ainda cita um estudo realizado, em Cambé, com mil participantes. Publicados no levantamento Assistência Farmacêutica e o Controle Social 2015, do CRF-PR, os dados revelam que a cada 50 habitantes com mais de 40 anos, 28 (56,4%) possuíam pressão alta e destes, 17 (62%) estavam em tratamento. Entretanto, apenas sete (39,5%) apresentavam a pressão controlada.
“Vários fatores podem ser considerados, entre eles, o esquecimento das doses, dificuldade em aderir ao tratamento medicamentoso ou até o armazenamento inadequado do remédio. São algumas dessas informações que devem ser esclarecidas com o intuito de melhorar o autocuidado dos pacientes”, afirma.
Investimento
Em 2014, o Ministério da Saúde implantou um projeto piloto em Curitiba, de “Cuidado Farmacêutico na Atenção Básica”. A iniciativa é parte do Programa Nacional de Qualificação da Assistência Farmacêutica no âmbito do SUS (QualifarSUS), do governo federal.
O projeto capacitou 30 profissionais farmacêuticos para lidarem com o cuidado integral da população. Depois de consolidar a experiência na Atenção Básica, o MS deve implantar o serviço em outros pontos de atenção do SUS. Em Londrina, Remondi diz que o modelo testado em Curitiba deverá ser implantado nos próximos anos.
Por enquanto, a farmácia da 17ª RS, que já conta com a estrutura dos consultórios, atende, com orientações iniciais, pacientes idosos e crianças, em grupos ou individualizados. “São aqueles que fazem uso de dispositivos inalatórios, para casos de asma e DPOC; de análogos de insulina (diabetes tipo 1) ou hormônios de crescimento”, diz.
Na semana passada, o Ministério da Saúde liberou R$ 6,4 milhões para aprimoramento, implementação e integração dos serviços farmacêuticos. O recurso será destinado para cerca de mil cidades. No Paraná, serão contemplados pequenos municípios.
Precisava de ajuda profissional
O modelo prevê a prestação de oito serviços de orientação clínica nas redes associadas, através do Care Center (salas de atendimento privativas). Os pacientes podem ser acompanhados desde a imunização, autocuidado, revisão de medicação, hipertensão, diabetes, colesterol e até para perda de peso e parar de fumar.
Em Londrina, a rede de farmácias Vale Verde criou o Minuto Saúde, ofertando um maior suporte à população para adesão ao tratamento, auxílio na recuperação da saúde e facilitar o acesso à informação e tratamento de problemas de saúde de baixa gravidade.
“Um paciente que vem comprar um medicamento para pressão, por exemplo, é avaliado se os horários das doses estão corretos, se a pressão está normalizada e se faz uso de outros medicamentos que podem interagir. Diante de qualquer suspeita, oferecemos acompanhamento para ajudar a normalizar os parâmetros de saúde”, explica a farmacêutica clínica da rede, Flávia Serafim de Oliveira.
O acompanhamento pode ser trimestral, semestral ou com duração de um ano e tem um custo, dependendo do plano. Segundo ela, a maior aderência dos pacientes tem sido aos programas “Pare de Fumar” e “Perca Peso”. Como é o caso de Mércia Thaiane de Oliveira, de 24 anos, que vem sendo acompanhada há cinco meses.
“O sobrepeso me levava a tomar remédios para colesterol e pressão alta, afetando muito minha saúde. Sozinha, ou seja, controlando um pouco a alimentação e fazendo caminhadas, consegui perder sete quilos, mas chegou o momento que precisava de ajuda profissional”, conta.
No programa Perca Peso, Mércia é assistida pela farmacêutica e nutricionista e, hoje, comemora os bons resultados. “Já perdi mais de dez quilos e meus exames estão melhorando cada vez mais. A disciplina conta bastante, mas participar do programa me motivou muito”, avalia Mércia de Oliveira
Farmacêutico atua como adjuvante no tratamento
O cirurgião vascular, Nerlan de Carvalho, vice presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), ressalta que compete aos médicos, elaborar o diagnóstico e acompanhar o tratamento dos pacientes.
No entanto, ele salienta que o ato de aferir a pressão e administrar medicamentos via intramuscular, que era uma prática tradicional e foi proibida de uns anos para cá, sobrecarregou ainda mais o sistema de pronto atendimento e as Unidades Básicas de Saúde. “Isso, que já se fazia antigamente, pode ser perfeitamente ser feito nas farmácias”, avalia.
Sendo assim, o farmacêutico atuará como adjuvante no tratamento, acompanhando o paciente na área que lhe compete. O presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná (CRF-PR), Arnaldo Zubioli, não soube precisar o número de estabelecimentos que já estão oferecendo este tipo de atendimento no Estado.
“Como a lei é recente no nosso meio, ela não foi absorvida por todos os colegas que exercem a atividade. Além disso, para fazer a avaliação, os protocolos e o acompanhamento dos pacientes, do ponto de vista da terapêutica farmacológica, é preciso ter conhecimentos clínicos, que nem todos os farmacêuticos obtiveram dos bancos universitários”, ressalta. (M.O.)
Fonte: Jornal de Londrina-PR, veiculada no dia 11 de julho.
Reportagem de Micaela Orikasa.