Uma recente novidade chegou ao Brasil para atuar na redução do colesterol no sangue. É um anticorpo monoclonal contra uma proteína chamada PCSK9 (Proproteína Convertase Subtilisina/Kexina tipo 9), uma protease que está no plasma e regula a quantidade de receptor LDL nas células, responsável pela retirada da LDL, a lipoproteína carreadora de colesterol do sangue.
O primeiro trabalho que a literatura tem como referência, publicado em 2003 por Abifadel e colaboradores, descreveu uma mutação no gene da PCSK9 como responsável pelo aumento excessivo de colesterol em um paciente e seus familiares na França, confirmando o primeiro caso de Hipercolesterolemia familiar (HF) pelo gene da proteína PCSK9 (1).
Em seguida, várias pesquisas começaram a elucidar a participação da PCSK9 no metabolismo do colesterol e demonstraram que, dependendo do tipo de mutação no gene da PCSK9, ocorre um aumento ou uma diminuição do colesterol no sangue (2,3,4).
O estudo que chamou a atenção, publicado em 2006 por Cohen e colaboradores, mostrou que os pacientes que tinham o colesterol baixo no plasma apresentavam algumas mutações no gene da PCSK9. Essas mutações diminuíam a quantidade de PCSK9 no plasma, mantendo o receptor LDL na superfície da célula, aumentando a captação da LDL, diminuindo o LDL-C no plasma e, consequentemente, o colesterol total (5).
Essa redução natural de colesterol no plasma foi confirmada no estudo com homens saudáveis do Reino Unido, mostrando que a mutação R46L no gene PCSK9 era responsável pela redução de colesterol e apresentou uma associação com o baixo risco para doenças coronarianas (6).
A sequência de várias pesquisas permitiu a elucidação do mecanismo de ação da PCSK9 no metabolismo do colesterol. A proteína PCSK9 é sintetizada no interior das células e, quando liberada no plasma, liga-se ao receptor LDL, formando um complexo (PCSK9/receptor LDL); e depois da ligação com a LDL, retorna para a célula e sofre a degradação nos lisossomos. Com isso, a PCSK9 impede que o receptor de LDL recicle para a superfície celular para captar nova LDL do plasma, reduzindo o número de receptores de LDL e aumentando o LDL-C no plasma.
Foi demonstrado que o fato de as estatinas atuarem, elevando os receptores de LDL e, simultaneamente, a concentração da PCSK9 no plasma, justifica o porquê da ação limitada das estatinas. Mesmo ao dobrar a dose para o paciente não se obtém o dobro da redução do LDL-C, mas só um adicional de 6% na redução (7). Portanto, o efeito redutor da estatina fica prejudicado e poderia ser maior se a PCSK9 não degradasse o receptor.
A associação de vários fatores permitiu que a indústria farmacêutica procurasse uma intervenção farmacológica para inibir a PCSK9, na forma de anticorpos monoclonais, RNA antissentido e peptídios miméticos, colaborando para aumentar a eficácia das estatinas na terapêutica da hipercolesterolemia (8,9,10).
Várias companhias farmacêuticas desenvolveram os anticorpos anti-PCSK9 e, até agora, três já foram aprovados e liberados: Amgen (evolocumabe), Sanofi/Regeneron (alirocumabe) e Pfizer (bococizumabe). Todos são administrados por via subcutânea, uma ou duas vezes por mês, dependendo da concentração com que se apresenta o anticorpo (11).
Os anticorpos anti-PCSK9 são anticorpos humanos, ou humanizados, que não irão penetrar a barreira sangue-cérebro e serão injetados quinzenal ou mensalmente. As doses apresentadas são de 75mg e 150mg de alirocumab e de 140mg de evolocumab. Todos esses medicamentos tiveram seguimentos semelhantes na fase III dos programas de triagem com pacientes que apresentavam doença cardiovascular estabelecida, prevenção primária de alto risco (incluindo alguns pacientes com tipo 2 diabetes), hipercolesterolemia familiar heterozigótica e pacientes com intolerância à estatina (12).
Os estudos clínicos demonstraram que são bem tolerados e produziram acentuada redução do LDL-C, cerca de 60 a 70%, quando combinados com a estatina (13,14,15).
Portanto, o paciente vai continuar tomando a estatina e o anticorpo será acrescido ao tratamento, para reduzir o LDL-C aos níveis preconizado na literatura. Para os pacientes com intolerância às estatinas poderá ser administrado isoladamente, ou com outro hipolipemiante.
No Brasil, já foram liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) o anticorpo anti-PCSK9 da Amgen,o Repatha® (evolocumabe), e da Sanofi/Regeneron, o Praluent (alirocumabe). Pode ser comercializado com a indicação no tratamento da hipercolesterolemia grave, principalmente de causa genética, ou no alto risco da doença cardiovascular.
Essa inovação para o tratamento do colesterol alto, 30 anos depois do surgimento das estatinas, trará condições de reduzir o LDL-C de maneira significativa e nunca alcançada anteriormente, mesmo com a associação dos hipolipemiantes disponíveis.
Referências
Sobre a autora:
Marileia Scartezini é Farmacêutica Bioquímica, professora aposentada da Universidade Federal do Paraná, pesquisadora e consultora científica em Dislipidemias.
“As ideias e opiniões aqui expressas, não refletem necessariamente aquelas da Abrafarma. A eventual menção a qualquer produto ou terapia não deve ser interpretada como endosso aos produtos mencionados. Recomendamos a cada profissional que determine, com base em sua experiência e conhecimento, as melhores condutas e cuidados para seus pacientes “.