Procurar e ter acesso ao tratamento de câncer no Brasil pode se tornar uma missão desgastante. Às vezes, pacientes e familiares só conseguem obter medicamentos ao importá-los com seus próprios recursos. Em outras situações, imperam os processos judiciais, meios legais encontrados para garantir o acesso aos próprios direitos.
A exemplo do mieloma múltiplo (MM), a luta do paciente para receber os mais modernos tratamentos é árdua e antiga¹. A doença não é só subestimada como subtratada no país. Para começar, não existem números oficiais de casos desse tipo de câncer. Estima-se, por enquanto, de 5 a 7 casos a cada 100 mil habitantes. Mas há outro agravante: apesar de a maioria dos casos de MM ocorrer a partir da terceira idade, a patologia vem sendo diagnosticada em pacientes cada vez mais jovens, antes mesmo dos 40 anos.
Enquanto nos Estados Unidos 35% dos pacientes são diagnosticados por meio de exames de rotina, antes mesmo de a doença apresentar sintomas, no Brasil, 85% dos casos de mieloma múltiplo costumam ser identificados em estágio três – quando as manifestações são bem explícitas, como as fortes dores lombares e torácicas². É um momento em que a qualidade de vida já está bem comprometida.
Entre os sintomas da enfermidade que acomete a medula óssea estão dores ósseas, aumento da possibilidade de fraturas, danos aos nervos, infecções e danos renais. Para identificar o MM, um dos principais testes é a eletroforese de proteínas, exame de sangue que mede a quantidade total de imunoglobulina, alterada em pessoas com o tumor. E a boa notícia: é possível fazê-lo no SUS. Um dos impasses, porém, consiste nas dificuldades de acesso ao tratamento. A não disponibilidade de algumas medicações sempre restringiu as opções terapêuticas no Brasil – um atraso de quase uma década em relação a outros países.
Felizmente, começamos o ano com uma boa novidade. A droga lenalidomida, já presente em 70 países, finalmente foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com isso, esperamos que o remédio passe a ser comercializado ainda neste primeiro semestre, após mais de oito anos de muita batalha e espera. Usada recorrentemente nos Estados Unidos e na Europa, a substância representa um avanço na classe de medicamentos imunomoduladores, justamente por ser mais potente e apresentar menos efeitos colaterais. A lenalidomida é um recurso importante em casos de recidiva (retorno) da doença. Sem contar que o medicamento aumenta as taxas de resposta ao tratamento e desacelera a progressão do mieloma múltiplo.
*Christine Jerez Telles Battistini é fundadora da International Myeloma Foundation Latin América (fundação sem fins lucrativos) e filha de uma portadora de mieloma múltiplo, que travou durante anos a dura batalha contra a doença.
Referências
1. Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular. Disponível em: http://www.abhh.org.br/noticia/avancos-no-tratamento-do-mieloma-multiplo-continuam/. Acesso em dezembro de 2017.
2. Internacional Myeloma Foundation Latin América. Disponível em: http://www.myeloma.org.br/. Acesso em dezembro de 2017.